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Monday, March 21, 2005

Poesia Alentejana

Tava eu a tirar moncos
lá da cana do nariz
quanto fazia uma mija
assim tipo chafariz

Tinha a bexiga tã chêia
que fiquê lá uma hora
quando me assomê em volta
tinha ido tudo embora

Sacudi o coiso e tal
enquanto coçava a bilha
de tal manêra atascado
que o entalê na braguilha

tirê as botas do lodo
que fizera na mijada
sacudi tamém as calças
sempre com ela entalada

pedi ajuda à Ti micas
que cerca dali morava
mas depilou-me os tomates
a força com que a puxava

ensanguentado na pila
fui aos tombos pelo monti
vomitando quasi as tripas
nã sêi se queres que te conti

como comera dôs pães de quilo e um garrafão
p'rajudar a empurrare
na admira que tivesse
três horas a vomitare

Detê-me na palha fresca
para ver se descansava
enterrê-me logo em bosta
de uma vaca que passava

E foi assim que essa tarde
conheci um caracole
os dois deitados na palha
com os cornos a secare ao sole

Friday, March 11, 2005

Valsa dum homem carente

Se alguma vez te parecer
ouvir coisas sem sentido
não ligues, sou eu a dizer
que quero ficar contigo
e apenas obedeço
com as artes que conheço
ao princípio activo
que rege desde o começo
e mantém o mundo vivo

Se alguma vez me vires fazer
figuras teatrais
dignas dum palhaço pobre
sou eu a dançar a mais nobre
das danças nupciais
vê minhas plumas cardeais
em todo o seu esplendor
sou eu, sou eu, nem mais
a suplicar o teu amor

É a dança mais pungente
mão atrás e outra à frente
valsa de um homem carente
mão atrás e outra à frente
valsa de um homem carente


letra de Carlos Tê
álbum Norte
Jorge Palma

Wednesday, March 09, 2005

"Russians"

In Europe and America, there's a growing feeling of hysteria
Conditioned to respond to all the threats
In the rhetorical speeches of the Soviets
Mr. Krushchev said we will bury you
I don't subscribe to this point of view
It would be such an ignorant thing to do
If the Russians love their children too

How can I save my little boy from Oppenheimer's deadly toy
There is no monopoly in common sense
On either side of the political fence
We share the same biology
Regardless of ideology
Believe me when I say to you
I hope the Russians love their children too

There is no historical precedent
To put the words in the mouth of the President
There's no such thing as a winnable war
It's a lie that we don't believe anymore
Mr. Reagan says we will protect you
I don't subscribe to this point of view
Believe me when I say to you
I hope the Russians love their children too

We share the same biology
Regardless of ideology
What might save us, me, and you
Is that the Russians love their children too

STING
in album: "Dream Of The Blue Turtles"

2º ANDAR, DIREITO


Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo o cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava

E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: A que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar

Não fales, que o bébé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem de pé
parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito que aprender
Se temos…! diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: Que queres que eu responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda…
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar ou deixar mudar

Não fales,…

E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive que imaginar
é preciso explicar que sou eu o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for
(Espero que não seja preciso, porque não
sei como é que eles vão viver sem os dois salários…)
Vá fala, que o bébé está acordado
o vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.


Sérgio Godinho
in album: Biografias do Amor

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